2012/05/26

Será eu ou você que não percebe?



Existia alguma coisa muito estranha. Tinha certeza. Há horas vinha reparando, só não sabia o que era.


Não era o sapato que hoje estava um tanto mais apertado, ou o calor que era mais brando nesses dias escaldantes de Janeiro. Não conseguia descobrir. Pensou com seus botões, parafusos e pulgas.  Alguma coisa na sua alma e espírito o deixava completamente inquieto.


Por volta do meio dia, parou pra respirar, antes de almoçar, e sem querer olhou para o céu. A quanto tempo não olhava pro céu? E para as nuvens? Definiu o primeiro desenho em uma grande nuvem, um elefante que tinha patas de leão e chifres, provavelmente ele era o único que conseguiria discernir que aquele borrão branco de “algodão” tinha contornos de elefante-leão com chifres. Instantes depois percebeu o que estava fora do normal, claro, como não tinha reparado antes. Só pra confirmar concentrou o seu olhar na copa da primeira árvore, que não era tão frondosa, mas mesmo com suas poucas folhas lhe serviu para confirmar sua hipótese.


 - Meu Deus, como aconteceu isso?


Parou um rapazinho que estava passando e perguntou:


- Qual é a mesma cor lá do céu menino?


- E tio, ta muito doido ‘hein’!! Bebeu foi? Nem lembra mais que o céu é azul?


Inconformado com a resposta oferecida pelo menino que já se afastava, pois o que tinha perguntado não havia relação nenhuma com a resposta, resolveu perguntar a uma mulher que vinha no sentido contrário, dessa vez tentando elaborar de forma melhor sua questão:


- Senhorita, pode me ajudar por favor? Desculpe o incomodo, mas tu percebeste a cor do céu hoje?


- Sim senhor, azul, como todos os dias, por que Senhor?


- Sim senhorita, é que se não me engano, ontem essa era a cor das folhas das árvores, e as folhas eram da cor do céu?


-Não lhe compreendo Senhor, acho que deve estar com algum problema de visão ou com alguma confusão mental.


- Não queria lhe incomodar, agradeço pela ajuda.


Assim foi imediatamente ao primeiro oftalmologista da Rua 23 que encontrou. Lá explicou o que lhe ocorria. O Dr acreditou que ele sofria de algum tipo de daltonismo e aplicou teste, o primerio foi o de anomaloscópio de Nagel, seguindo pelo lãs de Holmgreen, por fim teste de cores de Ishihara. Seu diagnostico foi rápido e claro.


- O Senhor não sofre de nenhum tipo de discromatopsias, ou seja, o senhor consegue discernir todos os tipos de cores.


- Mas Dr. tenho certeza que alguma coisa está errada. Ontem o céu era da cor das folhas das arvores.


- Então o Sr. está enxergando o céu dessa cor aqui?


- Não Dr. aquela outra ali mais a direita?


- Você está querendo dizer está aqui, o Azul.


- Sim Dr.


- Mas o céu continua Azul meu caro.


- E como o Sr. está  vendo as folhas?


- Nessa primeira cor que me apontou.


- Sim meu caro, este é o verde. Sua percepção das cores está perfeita, o Sr. continuam vendo o céu azul e as folhas verdes.


- Não Dr.!


Exclamou exaltado.


- O que o Sr. está chamando de Azul ontem era verde e o Verde, tenho certeza que era azul. O que eu estou vendo e o Sr. chama de Azul para mim é verde. Tenho certeza que ontem era ao contrário.


- Bom meu amigo, acho que o Sr. deve está com alguma confusão de memória. Aqui o telefone do Dr. Roberto Mejía, grande psiquiatra, e do Dr. José Paes de Lira,  neurologista, acredito que eles podem lhe diagnosticar melhor.


- Obrigado Dr. passar bem!


E foi embora ainda revoltado. Não tinha sentido. Será que estava louco? Eram realmente suas memórias que estavam erradas? Será que suas recordações eram de um céu de outra cor. Será que ele realmente via o céu com as cores que todos viam nas folhas das arvores e as folhas com a cor do céu?  No fundo, azul era só uma convenção para nomear cor que cada um via o céu e mar? Será que agora ele enxergava diferente do que os outros enxergavam?


Sua cabeça cansou-se de tantas perguntas que nunca tinham passado por ela. Não foi almoçar, não voltou ao trabalho. Foi para casa, para seu quarto, sua cama. Certo que depois de várias horas de volta ao sono todos os seus problemas resolver-se-iam e que amanhã acordaria com o céu do jeito que deveria ser.